O jornalismo enfrenta duas crises simultâneas: uma crise de confiança e uma crise de sustentabilidade. Um programa de membros responde a ambos os desafios.
Um programa de membros consiste em um contrato social entre um meio de comunicação e os seus membros, no qual estes doam tempo, dinheiro, energia, experiência e conexões para apoiar uma causa na qual acreditam. Em troca, o meio de comunicação oferece transparência e oportunidades que contribuem de modo significativo tanto para a sustentabilidade quanto para o impacto da organização.
Esta é uma orientação editorial que vê em seus leitores e ouvintes muito mais do que uma fonte de renda. Os membros são contribuintes ativos. Em suas formas mais profundas, um programa de membros proporciona uma troca de conhecimento em via de mão dupla entre os jornalistas e os membros. Ele oferece uma oportunidade para os veículos de comunicação identificarem quem são seus maiores apoiadores, e para mobilizá-los em sua busca por impacto e sustentabilidade.
Em muitos casos, um programa de membros é um acordo com o objetivo de manter o acesso ao jornalismo gratuito para todos. Muitos membros não querem um muro, como um paywall, barrando o acesso ao conteúdo do jornalismo que apoiam. Estes membros são os apoiadores do jornalismo com o qual contribuem, e apoiadores de uma causa têm interesse em levá-la ao maior número possível de pessoas.
Uma organização jornalística baseada em membros tem três componentes.
Uma estratégia de membros, que define como um programa deste tipo se encaixa dentro da concepção geral da organização, incluindo como o seu jornalismo será sustentado financeiramente e o papel que os membros irão desempenhar, monetariamente e de outras formas.
As rotinas de membros são os fluxos de trabalho que conectam o público ao jornalismo e às pessoas que o produzem. As rotinas são a base para uma estratégia sólida de membros. Observe que as rotinas diferenciam aqueles que fazem parte do seu público; como um todo, a sua audiência provavelmente forma um grupo mais amplo do que os seus membros atuais.
Um programa de membros é o produto com o qual o seu leitor interage ao se tornar um membro. Esta é a plataforma que administra as relações com as pessoas que contribuem com a sua organização. Quando as pessoas falam sobre tornar-se membro de um meio de comunicação, geralmente se referem a este tipo de programa. Dele faz parte a página que a pessoa acessa ao clicar em “torne-se um membro”.
Alguns meios de comunicação com membros ainda não têm todos esses três componentes. O grau de profundidade do programa de cada organização também pode variar. No entanto, uma redação participativa e inclusiva, que seja pelo menos em parte sustentada pelos membros, requer todos os três componentes.
Um programa de membros não é a única fonte de receita advinda do público, e nem o único modelo de engajamento disponível para organizações de mídia. Compreender quais são as diversas ofertas ao público e quais são as demandas de recursos de diferentes modelos de receita e de engajamento é algo fundamental para entender qual é o caminho certo para a sua comunidade e a sua organização.
Definindo o que é um programa de membros
Quando programas de membros dão certo?
Embora modelos de programas de membros no jornalismo sejam relativamente recentes, eles não são uma novidade quando comparados a outros movimentos voltados para o bem comum. Foi por isso que a equipe de pesquisa do Membership Puzzle Project (MPP) estudou igrejas, acampamentos do Burning Man, projetos de ciência cidadã e outros movimentos dirigidos por membros em busca de pistas para descobrir como eles se sustentavam e sobreviviam. Essa pesquisa revelou cinco descobertas aplicáveis ao jornalismo.
Há uma enorme importância em escutar, testar e se fascinar com aquilo que os seus membros valorizam. Esta é uma mudança de mentalidade. Em vez de apenas supor o que os membros desejam, as organizações com programas de membros bem-sucedidos desenvolveram formas de escutar, de avaliar com clareza aquilo que seus membros realmente desejam e de obter fortes feedbacks do público para adaptar o que oferecem. Estas organizações são empáticas e estão abertas ao aprendizado. Elas frequentemente adotam abordagens mais ágeis do que costumavam usar no passado.
Organizações inspiradoras conduzidas por membros conectam as paixões das pessoas a um propósito maior compartilhado entre as partes. Elas vendem mais do que um produto ou uma causa. Meios de comunicação com programas de membros bem-sucedidos reconhecem e celebram a individualidade das pessoas enquanto, ao mesmo tempo, propiciam que elas se sintam conectadas a algo maior do que si próprias. Essas organizações equilibram com precisão a relação entre o indivíduo e o grupo. Não se trata de fazer bordões para vender um produto (“Ganhe 20% de desconto em conteúdo exclusivo!”). Não é tampouco uma “causa” tradicional (“Salve as baleias!”). Acertar nessa proporção entre indivíduo e grupo — o que é difícil, porque muitas vezes significa questionar as abordagens ou os conselhos habituais do marketing — parece ser um ingrediente secreto para muitos dos movimentos bem-sucedidos que o MPP analisou. Essa proporção influencia o modo como as organizações entendem qual é a missão de seus membros, o “contrato social” entre as partes e o tom certo a ser adotado. Isso vai além de oferecer muitas vantagens aos membros, e depende do estudo das motivações intrínsecas e extrínsecas dos membros.
Um programa de membros é uma maneira de consertar algo que parecia estar quebrado. Muitas pessoas disseram à nossa equipe que aderiram a um programa de membros por sentirem que algo fundamental no mundo e / ou em si mesmas está quebrado e não funciona como deveria. Como membros, estas pessoas buscam uma maneira de se sentirem parte de uma solução para estes problemas. Programas bem-sucedidos não evitam se conectar às condições mais amplas e gerais do mundo. Estes programas lidam com o zeitgeist atual, no qual algo crucial no mundo está rompido ou em desequilíbrio — e oferecem a adesão ao programa como um motivo confiável para o público ter otimismo.
Ofereça meios flexíveis de participação. As organizações estudadas pelo MPP estão em sintonia com as habilidades, os objetivos, as limitações e os estilos de vida das pessoas. Elas oferecem vários caminhos para a participação, projetados para maximizar os resultados dos membros em termos de tempo e esforço. Uma das razões pelas quais dizemos que há um valor profundo em escutar é exatamente em função do objetivo de descobrir como os membros querem — ou não querem — participar. Existe uma ampla gama de maneiras de seus apoiadores participarem, de forma a maximizar o seu tempo e esforço.
Cresça em uma escala humana. Um programa de membros constitui uma interação entre seres humanos, não uma transação. Isso significa que o programa não pode ser totalmente automatizado, e que a associação não pode superar a capacidade de uma organização de realmente servir aos seus membros. Em alguns casos, o MPP viu organizações estrategicamente limitarem o seu crescimento para garantir o apoio aos seus membros e garantir que o valor do que é oferecido a eles não fosse diluído. A nossa equipe de pesquisa acredita que isso tem consequências importantes para restaurar o “elemento humano” no jornalismo.
Como um programa de membros se diferencia de uma assinatura?
Em um modelo de assinatura, os membros do público pagam pelo acesso a um produto ou serviço. Esta é uma relação de transação comercial, na qual o acesso ao conteúdo é aquilo que é monetizado. Este modelo normalmente exige pagamentos em troca de algum tipo de acesso. A assinatura pode ganhar escala muito mais rapidamente do que um modelo de membros, porque não exige envolvimento ou um relacionamento mais profundo com os leitores. O que a assinatura exige é um jornalismo excepcionalmente consistente, de alta qualidade e altamente diferenciado — e uma boa experiência para os usuários.
Para publicações com um forte público institucional, em setores específicos ou que oferecem conteúdo que proporciona grandes benefícios profissionais, o modelo de assinaturas pode funcionar bem. Publicações como The New York Times, The Wall Street Journal, The Financial Times, The Ken e The Information já provaram isso. O sucesso do The Athletic indica que uma base ardorosa de fãs também pode sustentar um modelo baseado em assinaturas.
Em 2017, o fundador do Stratechery, Ben Thompson, explicou por que escolheu a assinatura para a sua publicação. Sua declaração continua a ser uma das explicações mais claras até o momento de qual é o valor por trás de um modelo de assinaturas. Ele escreveu: “Antes de tudo, não estou pedindo uma doação: peço a um cliente que pague por um produto. Qual é, então, o produto? Na verdade, não se trata de um artigo qualquer… Em vez disso, um assinante está pagando para receber, com regularidade, um valor bem definido.”
A The Ken, uma startup de jornalismo de negócios e tecnologia fundada em Bangalore em agosto de 2016, lançou um modelo de assinaturas em outubro de 2016. O chefe de produtos Praveen Krishnan disse que alguns fatores fizeram o veículo optar por esse caminho.
- Eles estavam comprometidos com um jornalismo de nicho altamente especializado, e sentiam que isto seria forte o suficiente por si só, de forma que não precisariam oferecer benefícios adicionais ou mais participação para os assinantes valorizarem o seu produto.
- Eles não estavam tentando alcançar a todos, e esperavam que seus futuros leitores fossem pessoas que pudessem pagar por uma assinatura, vendo utilidade profissional no jornalismo oferecido.
- O profundo conhecimento da equipe permitiu-lhes facilmente fornecer o profundo nível de análise que tornava o seu trabalho diferenciado.
Desde então, eles lançaram uma versão no Sudeste Asiático, também baseada em assinaturas. Você pode ler mais sobre a jornada deles aqui.
Como um programa de membros se diferencia de doações?
Em um modelo de doação, os membros do público doam o seu tempo ou o seu dinheiro em apoio a uma causa ou a valores comuns. Esta é uma relação de caridade. Para publicações com um foco de cobertura que pode ser fortemente classificado como um bem público, um modelo baseado em doações pode funcionar bem. Quando se trata de uma área de cobertura em torno da qual é difícil haver publicações com regularidade, ou então não há uma comunidade sólida de leitores — como, por exemplo, quando se trata de um meio de comunicação dedicado exclusivamente ao jornalismo investigativo que publica sem frequência definida, ou então no caso de um veículo que publica principalmente por meio de parceiros — um modelo de doação também pode funcionar bem.
A linha que diferencia um modelo de doações e um modelo de membros é mais confusa do que a linha separando assinaturas e adesões. As doações e a adesão a um programa de membros são ambas motivadas por uma causa, e muitas redações usam as palavras membro e doador de forma intercambiável.
Nos Estados Unidos, as doações são, por definição, isentas de impostos e feitas a uma organização de caridade aprovada como tal pela Receita. Algumas redações se enquadram nessa classificação. Enquanto isso, o status tributário de um veículo baseado em membros depende da condição tributária da organização patrocinadora, e pode ou não acarretar em impostos. (O MPP reconhece que esta distinção não se aplica necessariamente fora dos Estados Unidos, e incentiva as organizações de notícias a buscarem aconselhamento jurídico em seu país sobre esta questão).
O que diferencia um modelo de adesão de membros de um modelo de doação é a expectativa do quanto um apoiador receberá em troca. Ao tentar decidir entre os dois, você deve considerar qual nível de autonomia editorial você precisa de seu público para cumprir a sua missão, e qual nível de participação está disposto a oferecer. Os membros esperam ser capazes de se envolver com o seu veículo (mas não de interferir nele — esta é uma distinção crucial). Publicações como a agência ProPublica e a revista Mother Jones são fortes exemplos de um modelo de doações.
Na Mother Jones, 71% de sua receita de 2019 veio de leitores (eles também oferecem uma assinatura de uma revista impressa, que contribuiu com 12% da receita de 2019, de quase US$ 17 milhões). O Shorenstein Center oferece mais informações sobre a estratégia editorial e financeira da Mother Jones.
O publisher Steve Katz resume o modelo de doações que a Mother Jones tem em vigor desde sua fundação em 1976 da seguinte forma: “Como a Mother Jones se encaixa no mundo, que tipo de jornalismo estamos fazendo para abordar os desafios que enfrentamos, e por que o apoio dos leitores é importante neste propósito?”
A Mother Jones tem um forte histórico de engajamento com seus leitores na internet. O diretor de marketing Brian Hiatt lista algumas das principais maneiras pelas quais os leitores se envolvem com a publicação: lendo as suas matérias, compartilhando-as, conversando sobre elas, usando-as para promover seu ativismo e para apoiar organizações locais e, finalmente, divulgando as reportagens, de modo a alcançarem mais pessoas. Todas essas atividades, no entanto, acontecem após a publicação. Este é um ponto onde os modelos de adesão de membros e de doação costumam ser diferentes. Nos programas de membros, o envolvimento geralmente ocorre em todos os estágios do trabalho, e os leitores têm a oportunidade de moldar a própria cobertura.
“No final das contas, eles são leitores e, no final das contas, eles ajudam a tornar isso possível”, disse Hiatt, observando contudo que muitos doadores se identificam como membros devido ao nível de comprometimento que sentem em relação à Mother Jones.
Como um programa de membros se diferencia de um crowdfunding?
Em um modelo de crowdfunding, os membros do público oferecem uma contribuição única para apoiar um projeto específico. O financiamento coletivo pode funcionar bem para publicações que têm uma ideia que pode ser testada com uma arrecadação de fundos feita uma só vez, e também para aquelas iniciativas que têm fôlego para um sprint, mas não para uma maratona. Este modelo de financiamento é uma boa forma de testar o entusiasmo por uma ideia, antes de reorganizar toda a sua redação. Também proporciona que um veículo aprenda mais sobre os seus apoiadores.
Muitos meios de comunicação que eventualmente adotam um modelo de membros começaram com uma campanha de crowdfunding, tratando esta campanha como um teste para descobrir se as pessoas estão dispostas a apoiar significativamente o seu veículo. Financiamento coletivo também pode ser um meio de criar apoio interno para o programa de membros, como foi o caso do 444 na Hungria.
Como o 444 utilizou um plano de comunicação interna para incutir uma cultura de membros na equipe
Seu plano de comunicação pode ser resumido em um lema: "Informar, envolver, defender"
Alguns veículos fazem uma série de campanhas de crowdfunding antes de realizarem a transição para o apoio recorrente por meio da adesão de membros, como é o caso da La Silla Vacia, na Colômbia. Outras consideram os contribuidores de seus financiamentos coletivos como os seus primeiros membros, e efetuam a transição para um programa de membros imediatamente, como fizeram o Krautreporter, na Alemanha, e o De Correspondent, na Holanda. Outras organizações, como o The Tyee, no Canadá, e o The News Minute, na Índia, continuam a realizar campanhas de crowdfunding para iniciativas específicas, mesmo depois de lançarem o seu programa de membros.
Como o The Tyee planeja uma campanha de crowdfunding em uma semana
Cada campanha é construída ao redor de uma fórmula de teoria da mudança e segue um modelo já testado pelo tempo.
Como escolhemos um modelo de engajamento e de receita?
Uma tentativa mal formulada de criar um programa de membros pode gerar desilusão e cinismo entre aqueles que se afiliaram, mas nunca receberam significativas oportunidades de envolvimento em troca. A adesão a um programa de membros não é uma assinatura com outro nome, nem tampouco uma campanha publicitária que pode ser ativada e desativada.
Se você está pensando em estabelecer um programa de membros, é fundamental que pense cuidadosamente sobre o nível de envolvimento editorial que deseja e pode oferecer aos membros do seu público.
Há muitos fatores a serem considerados ao responder a essa pergunta, incluindo o tempo da equipe e o investimento financeiro. (Leia mais em “Como montar uma equipe para uma estratégia de membros”; Leia também: “Criando o caso de negócio do programa de membros”). Tornar o negócio orientado para os seus membros implica em uma mudança cultural para a maioria dos meios de comunicação existentes. Isso exige um pensamento cuidadoso e uma liderança determinada.
A próxima seção, “Como saber se você está pronto para um programa de membros”, ajudará você a avaliar se um modelo de adesão é o caminho certo para a sua organização.
Os três modelos de receita e engajamento de público — programas de membros, assinaturas e doações — não são mutuamente exclusivos. Modelos combinados são cada vez mais comuns.
- O The Guardian é um meio de comunicação baseado em membros. Mas também oferece várias assinaturas de produtos específicos e a oportunidade de contribuir com doações feitas uma só vez.
- O Seattle Times baseia-se em assinaturas, e também conta com um fundo que aceita doações chamado Seattle Times Investigative Fund. Muitos meios de comunicação tradicionais de metrópoles dos EUA aspiram a criar programas de membros, adotando um formato híbrido entre seu modelo de assinaturas e um modelo de doações.
- A ProPublica opera com um modelo baseado em doações, mas também oferece um nível de engajamento do público que é típico de redações voltadas para membros. Como resultado, os seus doadores podem se sentir como membros.
- O site Malaysiakini disponibiliza seu conteúdo em malaio gratuitamente e oferece assinaturas para o seu conteúdo em chinês e em inglês. Os assinantes têm a oportunidade de optar por um programa de membros, que inclui uma comunidade online exclusiva, a Comunidade Kini.
O elemento-chave para esses modelos combinados é uma comunicação clara com os seus apoiadores, para que eles possam entender qual modo de apoio se adapta melhor às suas próprias motivações.
Com frequência, paywalls aparecem como se fossem um modelo alternativo aos programas de membros. Mas não são opções excludentes: paywalls estão presentes tanto em modelos de assinatura quanto de adesão de membros. Eles são uma das muitas ferramentas que uma organização de notícias pode usar para incentivar o público a pagar. Embora os valores e a proposta de um programa de membros idealmente incluam uma proposta ética, como “Eu pago para manter as notícias gratuitas para todos”, muitas redações voltadas para membros contam com algum tipo de acesso pago.
Como o pesquisador Eduardo Suárez escreveu em fevereiro de 2020: “A diferença entre os modelos de afiliação e de assinatura está mais tênue do que nunca. Algumas organizações de notícias com um programa de membros impõem paywalls muito rigorosos, enquanto jornais com assinaturas oferecem oportunidades de acesso gratuito por meio de períodos de teste, de redes sociais ou de mecanismos de busca (… ) Os veículos jornalísticos de maior sucesso não são apegados a seus modelos. Eles os ajustam de acordo com o comportamento de seu público e experimentam com pacotes misturados e com vários fluxos de receita. O formato do seu paywall deve ser apenas um dos elementos da sua oferta para gerar valor.”
O que os membros em potencial querem?
No início de sua pesquisa, o Membership Puzzle Project conversou com mais de 200 pessoas em todo o mundo que apoiam meios de comunicação com seu dinheiro, tempo, ideias e experiência, com o objetivo de entender o que motivou os membros do público a apoiarem o trabalho de cada veículo. O MPP descobriu seis temas em comum.
Esses temas não substituem a necessidade de fazer pesquisas com o público. Você ainda precisa descobrir como atender às necessidades dele. Veja esses temas como pontos de partida para indagar aos seus membros e a você mesmo como melhor atendê-los.
Envolvimento levado a sério: Sites com programas de membros relevantes são inclusivos e participativos: eles oferecem várias maneiras para que as pessoas de fora da organização participem e contribuam com o seu próprio conhecimento. Há maneiras relevantes e personalizadas de oferecer serviços e gerar engajamento, o que é diferente dos antigos convites para o público fazer telefonemas, como costumavam fazer as rádios.
Seja sincero comigo: Em vez de lidarem com uma instituição sem corpo, os apoiadores querem que a equipe de jornalistas e os freelancers mostrem quem são, incluindo descrevendo no que estão trabalhando no momento. Os apoiadores também querem saber como podem contribuir para as pautas, e de onde elas vêm. Os apoiadores apreciam quando a equipe do site é transparente e mostra como toma decisões editoriais, além de divulgar como gasta o dinheiro dos apoiadores e de suas outras fontes de receita. Melhor ainda é quando os meios de comunicação mostram como as suas reportagens foram produzidas — o tempo que elas exigiram, as colaborações que aconteceram, as viagens feitas e muito mais. Os os membros do público também apreciam saber quais ações podem realizar em relação às pautas que lhes interessam.
Seja humilde: As pessoas por trás das organizações de notícias devem se corrigir rapidamente quando estão erradas. Elas reconhecem que não têm todas as respostas, e pedem ajuda de outras pessoas que possam oferecê-las, inclusive com base em sua experiência pessoal e especialização profissional.
Destaque-se do noticiário do dia: Os apoiadores são criteriosos para identificar sites de notícias que produzem cobertura de alta qualidade que não encontram em nenhum outro lugar. Eles buscam lugares que oferecem abordagens inteligentes, com profundidade, integridade e um foco que costuma ser raro.
Faça um bom uso da minha atenção: O site da organização, suas newsletters, podcasts e aplicativos apresentam um design que oferece uma experiência calma e atenciosa ao usuário. Isso se diferencia das experiências barulhentas com as quais a maioria dos visitantes de sites de notícias e televisão se confronta diariamente. Em vez de ter a atenção capturada, o usuário tem a atenção acolhida.
Trabalhe sempre e apenas de acordo com o interesse público: Cada vez mais as pessoas querem apoiar repórteres e projetos, contanto entendam que estes agem com boa fé e em defesa de seus interesses. No jornalismo, no governo, em mídias sociais e em outros espaços, manter os processos fechados confunde e frustra o público. Este fechamento pode dar a entender que temos algo a esconder, e isso (compreensivelmente!) leva à desconfiança e à rejeição.
Leia a versão completa do “manifesto dos membros” desses primeiros apoiadores.
Como é um programa de membros quando o jornalismo está sob ameaça?
Muitas das recomendações deste guia baseiam-se no pressuposto de que é seguro para você falar publicamente sobre quem são os seus repórteres e os seus membros, assim como sobre suas pautas e de onde vem seu dinheiro. Isso, é claro, não é uma verdade universal. O MPP incentiva os meios de comunicação que trabalham em ambientes autoritários e iliberais a verem essas recomendações como ideias catalisadoras, em vez de instruções.
O Rappler, das Filipinas, cuja fundadora Maria Ressa foi condenada por difamação cibernética em 2020, é o exemplo que mais chama a atenção no momento desta publicação. Mas, da Hungria à Malásia e ao Brasil, um ataque à imprensa complicou alguns dos princípios básicos de um programa de membros, especialmente os ligados a transparência e participação.
No momento desta publicação, o editor-chefe do Malaysiakini, Steven Gan, enfrentava acusações de desacato a um tribunal em função de comentários feitos por leitores sobre uma matéria. Isso diminuiu a vibração da Comunidade Kini, a sua comunidade online, devido à preocupação de que o Malaysiakini possa ser forçado a revelar quem são seus os assinantes e membros, e que o governo possa retaliá-los de alguma forma. O Malaysiakini tem um modelo híbrido que oferece aos assinantes a oportunidade de participarem nas atividades dos membros, incluindo a Comunidade Kini, mas não exige isso, em parte porque ser um “membro” da Malaysiakini é mais arriscado do que ser um assinante.
Por que o Malaysiakini combinou um programa de membros com assinaturas?
Diante dos ataques do governo, o Malaysiakini entendeu que o status de 'membro' poderia deixar algumas pessoas nervosas. Eles sabiam, contud
O Atlas.zo, na Hungria, enfrenta esse desafio há anos. Na conferência da Global Investigative Journalism Network (GIJN) em 2019, o editor Támas Bodoky recomendou que os meios de comunicação permitam que as pessoas façam contribuições monetárias anônimas, inclusive por meio de ordens de pagamento, e que utilizem as agressões por parte do governo como mais uma razão para apoiar um meio de comunicação.
Em situações em que um alto nível de transparência pode causar danos emocionais ou físicos à sua equipe, você pode, em vez de divulgar no que está trabalhando ou quem são seus funcionários, compartilhar o que puder sobre por que você está protegendo as informações, e como o fato de fazer isso se relaciona com sua missão.
Até que ponto devemos envolver nossos membros?
O grau de envolvimento entre a sua redação e os seus membros varia dentro de um espectro. De um lado, há uma adesão “densa” e, do outro lado, há uma adesão “tênue”.
Enquanto compilava o Banco de Dados de Programas de Membros no Jornalismo, o Membership Puzzle Project começou a distinguir entre modelos “densos” e “tênues” de adesão de membros. Nos programas “tênues”, os membros se parecem, em sua maioria, com doadores. Espera-se que eles forneçam apoio financeiro, leiam e compartilhem o jornalismo produzido. Esta pode ser uma organização com um programa de membros, mas sem rotinas de membros. Muitas estações de rádio públicas americanas tradicionalmente se enquadram nesta descrição, embora seus programas de afiliação estejam hoje em sua maioria se tornando muito mais participativos.
À medida que os programas de membros alcançam um determinado tamanho, eles podem se aproximar dos modelos mais tênues. Devido à escala do programa de adesão do The Guardian — que incluía mais de 800 mil membros em abril de 2020 — a organização precisou restringir a frequência com que oferecia oportunidades para um envolvimento mais profundo. É por isso que um modelo de adesão de membros precisa ganhar escala de uma forma diferente de outros modelos de receita e envolvimento.
Entre os modelos mais “densos”, os membros ainda dão dinheiro e leem seu jornalismo, mas também comparecem a eventos, oferecem conselhos e feedback, respondem a convocações, compartilham os seus conhecimentos e interagem com os jornalistas. Essa relação é mais profunda e íntima. Isso gera um ciclo de feedback constante entre o veículo de comunicação e os seus membros. Os meios de comunicação deste modelo geralmente oferecem várias oportunidades de participação, que são atraentes para tipos diferentes de pessoas. Há muitas organizações baseadas em assinaturas que cultivaram esse relacionamento “denso” com os seus assinantes. Elas têm rotinas de membros, mas não um programa formal de adesão de membros.
Uma das formas mais “densas” de adesão é oferecer a propriedade real da organização a seus membros, como acontece com as cooperativas jornalísticas. Em cooperativas como o Bristol Cable, no Reino Unido, e a The Devil Strip, em Ohio, EUA, os membros também são acionistas. Por meio de canais como assembleias gerais anuais, eles desempenham um papel importante na tomada de decisões estratégicas dos veículos. No Bristol Cable, os proprietários-membros elegem o conselho de diretores — e podem concorrer a uma vaga nele — e também ajudam a equipe em ações como a elaboração de uma ética para a política de publicidade.
Ambos os estilos, “densos” e “tênues”, têm suas vantagens. O modelo tênue exige menos em termos de tempo da equipe e de infraestrutura, porque os custos de coordenação são quase nulos e as transações podem ser automatizadas. Também é um modelo que faz mais sentido para membros que não dispõem de muito tempo.
As formas mais densas de afiliação criam laços mais profundos entre o site e os seus apoiadores, e geram maiores probabilidades de que os membros paguem pelo jornalismo em si. Elas também transformam diretamente a relação de opacidade e de distância das comunidades que geraram uma profunda desconfiança entre os meios de comunicação e o público. No entanto, modelos mais densos de engajamento dos membros consomem mais tempo e exigem esforços compartilhados entre as equipes de jornalistas, de desenvolvimento e de marketing.
Além disso, é claro, nem todos que apoiam a sua organização desejam participar dela. A Red / Acción, na Argentina, deu tanta ênfase às oportunidades de participação oferecidas em seu programa de membros que alguns leitores admitiram que consideraram cancelar suas adesões, por se sentirem culpados por não utilizarem essas oportunidades, que eram descritas como centrais para a experiência do programa. Para muitos membros, bastará saber que você oferece essas oportunidades e que outros se aproveitam delas. A participação dos membros do De Correspondentsegue a fórmula 90/10/1: 90% dos membros apenas consumirão o produto, 10% vão interagir com você e 1% desses 10% se tornarão o núcleo de seus colaboradores.
Quão lucrativo será um programa de membros para nós?
Esta é outra área em que é útil oferecer a resposta variando dentro de um espectro. Como fonte de receitas, um programa de membros varia desde uma “tábua de salvação” (termo que o MPP usa para descrever organizações nas quais o programa de membros representa mais da metade da receita) a uma “disciplina” (organizações nas quais o programa representa apenas uma fração das receitas, mas ajuda a consolidar na redação uma cultura centrada no público). Um programa de membros é quase sempre um esforço para diversificar as receitas, e são raras as organizações que são total ou quase totalmente sustentadas por receitas advindas do programa de membros. (Leia mais sobre isso em “O caso de negócios de um programa de membros”).
Redações digitais maduras e sustentadas por receitas restritas nos EUA, como a do Texas Tribune, do VTDigger e da Mother Jones, obtêm entre um quinto e um terço de suas receitas de pequenos doadores, muitos dos quais são membros. Algumas redações digitais voltadas para membros mais jovens também conseguiram atingir esse nível entre 20% e 33% das receitas provenientes de membros. Aproximadamente 25% das receitas do Daily Maverick vêm do programa de afiliação, de dois anos de idade. Com investimentos suficientes que proporcionem uma forte experiência aos membros, a adesão de membros pode se tornar a principal fonte de receita da redação, como aconteceu com o De Correspondent, o El Diario e o WTF Just Happened Today.
Muitas organizações buscam criar um programa de membros tanto pelas receitas quanto porque o costume de servir aos membros, especialmente quando disseminado por toda a redação, oferece certa disciplina e infraestrutura que podem ajudar a consolidar práticas centradas no público. Programas de membros também oferecem significativos exemplos de envolvimento com a comunidade que podem atrair financiadores em potencial.
No banco de dados do MPP, que reúne 40 redações orientadas para membros em todo o mundo, em seis redações os membros contribuíram com de 20% a 33% das receitas totais. Abaixo, a pesquisa selecionou algumas respostas, oferecidas de forma anônima. Todas são de redações principalmente digitais, e exemplificam diferentes combinações de receitas.
Três desses exemplos são da América do Norte e dois desses exemplos são da Europa. (Embora o MPP também tenha recebido respostas de América Latina, África e Ásia, o projeto não está compartilhando essas receitas por respeito ao anonimato das redações. Algumas das especificações de suas fontes de financiamento as tornariam facilmente identificáveis.)
À medida que aumentou a quantidade de redações que apostam em programas de membros, surgiu outra questão relacionada à sua sustentabilidade: as adesões de membros são uma fonte viável de receita para uma redação que atende a uma comunidade de baixa renda ou tradicionalmente marginalizada?
É muito cedo para dizer definitivamente qual será o papel que as adesões terão nessas redações, disse Courtney Lewis, chefe de programas de crescimento do Institute for Nonprofit News (INN), quando a nossa equipe de pesquisa a entrevistou em 2022. Lewis passou os últimos dois anos observando experimentações de meios de comunicação sem fins lucrativos com sede nos EUA, especialmente durante a campanha anual NewsMatch da INN.
Os programas de membros têm o potencial de serem uma fonte valiosa de receita para redações que atendem comunidades de baixa renda, mas Lewis e o MPP sugerem que tais programas devem ter uma forma diferente da maioria das redações que o MPP estudou, porque aqueles que são atendidos pelo trabalho destes veículos podem ter recursos ou renda limitados para dar. O valor como provedor de notícias nestes casos fica claro com mais precisão por meio de seu impacto, e não pelo tamanho de sua base de membros ou receita gerada.
Citando dados do Index Report do INN, Lewis disse que, embora as doações individuais sejam uma das fontes de receita de crescimento mais rápido para organizações de notícias sem fins lucrativos,os programas formais de membros representam apenas 7% da receita oriunda de doadores individuais.
Mas ela faz uma advertência contra o entendimento de que, porque somente pequenas parcelas da receita vem do programas de membros, isto corresponde a uma prova de que o programa de membros não está funcionando para essas organizações.“Não é que o modelo de membros seja uma ferramenta falha. Ele tem um propósito diferente”, disse ela.
Com base na visão geral de Lewis sobre os desafios e oportunidades, o MPP tem duas recomendações para redações que atendem comunidades de baixa renda que desejam seguir uma estratégia de adesão de membros.
Pense no programa de membros como uma disciplina, e não uma tábua de salvação. Quando a nossa equipe de pesquisa fala sobre a adesão como uma disciplina, tal como fez anteriormente nesta seção, ela se refere a rotinas de membros: a fluxos de trabalho que conectam os membros da audiência aos jornalistas e ao jornalismo. Quando feitas intencionalmente, as rotinas dos membros podem revelar as verdadeiras necessidades de informação do público. Se uma redação prestar atenção a essas necessidades e criar projetos voltados para elas, poderá conseguir apoio filantrópico para o produto que criar.
Pense em si mesmo como tendo dois públicos-alvo: as pessoas que precisam de seu jornalismo e as pessoas que desejam apoiar esse jornalismo. Você deve lançar o programa de membros para este segundo público. Muitos dos membros que o MPP entrevistou disseram que se tornaram membros de um meio de comunicação porque essa parecia ser uma maneira de restaurar algo que parecia estar quebrado ou não funcionando bem no mundo. Se você puder provar que o seu jornalismo está genuinamente alcançando e ajudando um público carente, você pode argumentar que apoiar o seu jornalismo é uma forma de apoiar essa comunidade. O programa de membros pode dar aos seus apoiadores uma maneira de se tornarem parte da solução deste problema. Se eles precisam do jornalismo que você produz torna-se uma questão secundária neste caso.
O MPP também recebeu perguntas ao longo dos anos sobre se os programas de membros podem ser lucrativos para redações em países com ambientes econômicos desafiadores. A nossa equipe de pesquisa viu a membresia se tornar uma fonte viável de receita para redações em tais ambientes, incluindo o Daily Maverick na África do Sul e o 444 na Hungria. Além disso, o MPP incentiva as redações que operam em países com grandes comunidades na diáspora a avaliarem se esse público fora do país apresenta uma oportunidade específica para adesões (Veja para “Quais são as oportunidades para programas de membros para audiências na diáspora?“)
Como equilibramos o programa de membros com nosso compromisso com a equidade?
Um programa de membros constitui um sistema de subsídios em que aqueles capazes de financiar o jornalismo o fazem, ao menos parcialmente, com o objetivo de garantir que ele continue disponível para todos. No entanto, há uma crescente tensão entre a missão de utilidade pública das redações que contam com membros e os próprios programas de membros, que inerentemente tendem à exclusividade.
Algumas organizações aceitam oferecer exclusividade. Mas um número crescente delas enfrenta desafios para conseguir equilibrar, por um lado, seu compromisso com a equidade e com a inclusividade, e, por outro lado, uma base de membros que oferece apoio financeiro, mas é mais rica e menos diversa do que a comunidade à qual o veículo se dedica a servir. Essa tensão é particularmente presente em sociedades onde aqueles que podem pagar por jornalismo são minoritários.
Em vez de tentar eliminar essa tensão, o Membership Puzzle Project recomenda que os meios de comunicação a identifiquem e trabalhem a partir dela. Aqui estão três exemplos.
A Scalawag, uma revista digital sobre o Sul dos Estados Unidos, “ilumina a dissidência, perturba narrativas dominantes, busca a justiça e a libertação e se solidariza com as pessoas e comunidades marginalizadas no Sul”. Sua base de membros é mais branca e rica do que a comunidade à qual a revista se dedica a servir. Para ela, o programa de membros é uma forma de redistribuição de riqueza e de reparação histórica por meio da mídia.
O City Bureau, um laboratório de jornalismo cívico em Chicago, tem um programa de membros para pessoas que fornecem apoio financeiro recorrente. Eles também têm seus documentadores, cidadãos de Chicago que eles treinam e pagam para participarem e documentarem as reuniões do governo local. Documentadores não são membros no sentido tradicional — em vez de apoiarem financeiramente o City Bureau, é o City que os paga. Mas, no entendimento do projeto, tanto os documentadores quanto os financiadores são ambos membros. A Maldita, na Espanha, opera num modelo semelhante. Eles têm seus embaixadores, que são seus apoiadores financeiros, e seus “contribuintes superpotentes”, que são os leitores que se ofereceram para usar as suas especialidades com o objetivo de ajudar a Maldita a verificar a desinformação.Para a Frontier Myanmar, uma startup inglesa e birmanesa sediada em Yangon, o programa de membros consiste em um pacote de produtos de elite que permite manter o trabalho jornalístico básico acessível gratuitamente em birmanês e inglês. A equipe da Frontier sabia, desde o lançamento de seu programa de membros, que a maioria dos leitores que poderia pagar não seria local. Oitenta por cento de seus membros são expatriados de Mianmar ou pessoas de fora do país.