Panorama da redação

Quem são eles
Um veículo de jornalismo investigativo sem fins lucrativos com o compromisso de informar a sociedade sobre injustiças e abusos de poder enquanto promove a alfabetização midiática e programas educacionais
Localização
Berlim e Essen, Alemanha
Fundação
2014
Lançamento do programa de membros
2015
Visitantes únicos mensais
670.000
Número de membros
10.400
Percentual de receita representado pelo programa de membros
30%

Em 2018, o veículo investigativo alemão Correctiv decidiu tornar o mercado imobiliário de Hamburgo mais transparente descobrindo quem possuía imóveis residenciais. Em muitos países, esse é um processo transparente – mas a lei alemã permite apenas que indivíduos com um “interesse legítimo” inspecionem os registros de imóveis. Jornalistas não são contemplados por essa definição. Inquilinos sim.

Então o Correctiv recorreu ao CrowdNewsroom, uma plataforma que desenvolveu em 2015 para ajudá-los a recrutar membros da comunidade em seus projetos de investigação e a montar conjuntos de dados. Para obter as informações de que precisavam para “Quem são os donos de Hamburgo?”, eles convidaram os leitores a fazer o upload de seus contratos de aluguel na plataforma. Eles coletaram mais de mil fichas, criando um registro de imóveis significativo que serviu como ponto de partida para apurações sobre o mercado imobiliário em Hamburgo.

Em seguida, eles colocaram o projeto na estrada. Hoje, o Correctiv tem bancos de dados de imóveis de outras cidades na Alemanha, e provaram que convidar leitores para participar do processo jornalístico não é apenas uma coisa banca de se fazer — mas também pode gerar apurações mais impactantes.

Por que isso é importante

Ao identificar uma maneira de as pessoas contribuírem significativamente com o seu trabalho, o Correctiv conseguiu investigar assuntos que, de outra forma, não seria capaz de apurar, e deu aos membros da comunidade a oportunidade de colaborar na criação do jornalismo. Ao construir a sua própria plataforma para esse tipo de trabalho, foi possível colaborar mais plenamente com eles. E, por meio de parcerias com outras redações, a iniciativa tem conseguido ampliar o número de pessoas que contribuem.

A participação do público é mais gratificante para o próprio público e mais impactante para os meios de comunicação quando o veículo consegue encontrar o ponto de intersecção entre as suas necessidades e as motivações do público para participar. O Correctiv teve sucesso nisso: precisava de registros de imóveis, e os moradores queriam entender o mercado imobiliário em que viviam.

O que eles fizeram 

O Correctiv começou a desenvolver o CrowdNewsroom em 2015 para permitir o envolvimento do leitor em grande escala nas suas investigações. Em termos gerais, o CrowdNewsroom cria formulários que permitem a coleta estruturada de dados dos usuários. Eles os usaram primeiro para investigações de irregularidades financeiras em bancos locais e para rastrear cancelamentos de aulas em escolas públicas. 

“O CrowdNewsroom é como um sistema do Google para respostas que ainda não foram dadas”, disse o editor do Correctiv, David Schraven, ao Solution Set.

As investigações do CrowdNewsroom tendem a seguir o mesmo processo geral e levam alguns meses para serem concluídas.

Aqui está um pouco sobre como funciona o processo padrão do CrowdNewsroom, com alguns detalhes de como foi o projeto “Quem são os donos de Hamburgo?” em 2018:

Divulgue. Junto com o parceiro do jornal, o Correctiv lança uma campanha de quatro a seis semanas para divulgar o projeto, despertar o interesse da comunidade e estimular a participação das pessoas. Para o projeto “Quem são os donos de Hamburgo?”, o Correctiv fez uma parceria com o jornal local Hamburger Abendblatt, e a associação de inquilinos local ajudou a promovê-la. O Correctiv e seu jornal parceiro publicam matérias diárias sobre as questões que o projeto está tentando revelar, divulgam o CrowdNewsroom em redes sociais e realizam eventos. Tudo isso com o objetivo de coletar dados e conscientizar as pessoas sobre a apuração. 

“Antes de iniciar a campanha, você colabora com o jornal para dar às pessoas uma ideia do que está fazendo, por que está fazendo e por que é importante”, disse Schraven. “Pode ser uma série de artigos, entrevistas de rádio, uma série de matérias jornalísticas.”

Coletar dados. Ao longo da campanha, os membros da comunidade fazem upload de dados e informações no CrowdNewsroom. Para o projeto “Quem são os donos de Hamburgo?”, os indivíduos fizeram o upload de seus contratos de aluguel no banco de dados do CrowdNewsroom, e deram ao Correctiv permissão para coletar as fichas de registro de imóveis em seu nome. O Correctiv também criou um site para a apuração do mercado imobiliário de Hamburgo, onde oferecia atualizações regulares sobre o andamento do projeto e os inquilinos podiam armazenar suas evidências e informações.

Para garantir que os dados sejam críveis, cada envio ao CrowdNewsroom deve ser embasado por documentos. O Correctiv só publicará informações verificáveis. 

Processe os dados. Assim que a campanha terminar, os jornalistas do Correctiv e do jornal parceiro começarão a processar, checar e verificar os dados coletados e, em seguida, procurar padrões que sirvam de ponto de partida para as matérias. Tanto o Correctiv quanto os jornais parceiros têm acesso total ao banco de dados. 

“Então pegamos as histórias mais importantes e escrevemos sobre elas”, disse Schraven. “Mas mantemos o restante das coisas privadas, porque são dados privados e não vamos publicar, como o Wikileaks, tudo o que encontramos.”

As matérias que saem do CrowdNewsroom são então publicadas e compartilhadas por ambos os meios de comunicação. 

Os resultados

A investigação “Quem são os donos de Hamburgo?” levou seis meses para ser concluída. No final da campanha, cerca de mil inquilinos haviam feito upload de documentos sobre o proprietário de seus apartamentos. Esses dados permitiram ao Correctiv vincular mais de 15 mil apartamentos a proprietários específicos. A partir disso, eles descobriram que a lavagem de dinheiro estava por trás de cerca de 10% das vendas de imóveis em Hamburgo. Eles também determinaram que mais de 1 em cada 3 dos 707.000 apartamentos e casas alugados em Hamburgo pertence à associação de habitação urbana da cidade de Hamburgo ou a uma cooperativa. 

O Correctiv também publicou 10 exemplos de como a não transparência prejudica os inquilinos (e o que poderia ajudar a mudar isso), que inclui outras descobertas da investigação, como o fato de que os inquilinos nem sempre sabem quem é o dono do imóvel que estão alugando. Isso só foi possível graças à plataforma CrowdNewsroom.

O Correctiv gastou cerca de 1 milhão de euros para desenvolver o CrowdNewsroom. Metade do financiamento veio de uma doação de 500 mil euros, pagos ao longo de três anos, do Digital News Innovation Fund do Google.

“O resto veio de nossas outras fontes de renda”, disse Schraven. “Temos fundações que nos financiam, temos indivíduos que doam dinheiro para nós por sermos uma organização sem fins lucrativos. Temos até uma pequena agência com fins lucrativos que publica livros.”

O que eles aprenderam

Tornar o projeto acessível para as pessoas participarem é fundamental. As apurações da CrowdNewsroom não acontecem a menos que as pessoas saibam sobre elas, então o Correctiv aborda suas apurações da CrowdNewsroom quase como se fossem uma iniciativa de arrecadação de fundos ou uma campanha política — ela vem acompanhada por uma enxurrada de matérias, promoções e eventos para divulgar as apurações e incentivar as pessoas a participarem. Também torna a própria plataforma da CrowdNewsroom intuitiva e simples de usar. Em fevereiro de 2019, mais de 4 mil pessoas haviam contribuído para os projetos da CrowdNewsroom.

Mantenha o foco das chamadas. Em suas primeiras apurações no CrowdNewsroom, o Correctiv fez a seus leitores perguntas excessivamente amplas. As respostas foram variadas e não foram tão úteis quanto poderiam ser. O Correctiv percebeu que precisava criar uma forma mais objetiva de pedir aos leitores que contribuíssem e começou a se concentrar em buscar apenas uma coisa dos leitores a cada apuração. Ao pedir aos leitores que se envolvam na produção de jornalismo, é importante dedicar algum tempo para garantir que as chamadas sejam claras e pensadas para obter respostas que sejam realmente úteis. 

A colaboração com outros veículos é essencial. O Correctiv também percebeu que suas reportagens teriam mais impacto se trabalhassem com outros meios de comunicação. Em parceria com uma variedade de outros veículos na CrowdNewsroom, o Correctiv é capaz de atingir públicos a que não teria acesso de outra forma. Quando cobria cancelamentos de aulas em escolas públicas, por exemplo, um dos parceiros do Correctiv era um jornal estudantil, o que permitia fazer chamadas mais focadas e também garantia que a reportagem chegasse às comunidades relevantes. 

Principais conclusões e alertas

As apurações do Correctiv não seriam possíveis sem os indivíduos que ajudaram com a reportagem e contribuíram com as suas informações. 

Os benefícios do jornalismo criado em colaboração com membros da comunidade vão além das apurações em questão. O Correctiv pode usar a plataforma para identificar alguns de seus membros mais engajados e convidá-los para o processo de reportagem. Mas Schraven também disse que o processo tem sido uma ferramenta poderosa de arrecadação de fundos e ajuda a educar a comunidade sobre a importância do jornalismo independente e como o jornalismo investigativo realmente funciona. 

“Mas, para ser claro: as matérias publicadas não são a coisa mais importante na utilização da CrowdNewsroom”, disse Schraven por e-mail. “O mais importante é o debate e o envolvimento dentro da comunidade com os jornais e meios de comunicação com os quais compartilhamos a CrowdNewsroom. É como uma campanha pelo bom jornalismo em uma comunidade”.

“Quando se trata de criar uma comunidade, algo como isso é muito importante”, disse Schraven. “As pessoas entendem que nos preocupamos com seus problemas, estamos trabalhando nisso e não apenas conversando sobre isso. Nós realmente nos esforçamos sobre isso. Eles entendem que, se queremos que algo assim aconteça, precisamos apoiar esses caras. Funciona. Quando você vê a CrowdNewsroom, não é algo que você faz apenas por um mês — é por alguns meses. Você constrói uma comunidade em torno do veículo. Quando você atua no âmbito local, essa comunidade corresponde exatamente à área que você está cobrindo no dia a dia, e todos esses leitores e colaboradores entendem por que você está lá.”

Outros recursos