Panorama da redação
Uma plataforma de fact-checking espanhola focada no combate à desinformação
Madri, Espanha
2018
2019
3.030.874
Total de 42.925 membros, incluindo não pagantes; cerca de mil pagantes
Os jornalistas de televisão espanhóis Clara Jiménez Cruz e Julio Montes lançaram o site Maldita.es como uma organização independente em 2018. Eles haviam começado a experimentar com o fact-checking quatro anos antes, em um projeto paralelo chamado Maldita Hermeroteca. A maior parte das apurações às quais dedicam seu tempo vem de dicas de integrantes da comunidade.
Em 2018, eles enviaram uma pesquisa de opinião para a comunidade buscando entender o que seus membros pensavam sobre a Maldita. O retorno entusiasmado (2.645 respostas em quatro dias, segundo um perfil do Centro Europeu para o Jornalismo) os levou a apostar no domínio desta ferramenta como uma parte central da sua estratégia dali em diante. A Maldita chamou as habilidades dos membros de “superpoderes” e criou um banco de dados para facilitar sua ativação conforme prosseguissem.
Por que isso é importante
Organizações têm programas de membros bem-sucedidos quando encontram um ponto de interseção entre suas necessidades e a motivação dos membros em potencial para participar ou contribuir. Para a Maldita, essas necessidades são apoio financeiro e conhecimento para ajudar a expandir o escopo e a velocidade das suas operações de fact-checking. A Maldita dá a seus filiados, conhecidos como malditos, a oportunidade de contribuírem com uma das opções ou com ambas, e trabalha para deixar as duas oportunidades claras e facilmente compreensíveis, enquanto salvaguarda a integridade jornalística.
Com sua base de “superpoderes”, a Maldita também é uma das poucas organizações avaliadas pela nossa equipe da pesquisa que reconheceram uma contribuição não financeira como uma possível forma de adesão.
O que eles fizeram
A Maldita lançou seu programa de adesão, convidando membros da comunidade a “se tornarem um dos malditos”, em junho de 2019. Simultaneamente, eles começaram a indagar se os malditos gostariam de adicionar seus nomes ao banco de superpoderes.
Hoje, a Maldita tem três tipos de membros, todos eles chamados malditos (veja a página do programa para mais detalhes):
- Malditos gerais: Aqueles que se inscreveram em uma das newsletters da Maldita (cerca de 40 mil pessoas em julho de 2020)
- Embaixadores: Qualquer um dos 40 mil malditos que também contribuem financeiramente com a Maldita (cerca de mil embaixadores em julho de 2020)
- Malditos que contribuem com superpoderes: Qualquer um dos 40 mil malditos que registraram sua área de especialidade (os “superpoderes”) para ajudar nos esforços de fact-checking (cerca de 2 mil contas ativas em julho de 2020)
Eles recrutaram os malditos superpoderosos com chamadas para ação em suas newsletters e no seu website. Quando publicam uma checagem feita em conjunto com um maldito, reconhecem sua identidade em uma nota de rodapé e convidam outras pessoas a inserirem suas áreas de expertise no banco de dados.
Há três etapas para se juntar à comunidade de superpoderes: se registrar na plataforma da Maldita, dar detalhes sobre sua área de conhecimento e ser verificado. O formulário sobre as expertises inclui um espaço para que os malditos incluam provas das suas credenciais — um perfil no LinkedIn, por exemplo, ou uma cópia do diploma ou de um artigo, caso sejam acadêmicos.
Quando elaborava o formulário de especialidades, a Maldita teve dificuldades para descobrir o equilíbrio perfeito entre categorias previamente listadas e campos abertos para que o usuário preenchesse por conta própria. A primeira opção não é capaz de capturar todos os aspectos do conhecimento de alguém, mas a alternativa dificulta posteriormente a pesquisa. Eventualmente optaram pelos campos abertos: após o preenchimento, a gerente de comunidade, Bea Lara, lê as respostas e adiciona as tags adequadas para uso futuro.
Um exemplo da página de registro dos superpoderes
Lara deu o exemplo de um biólogo especialista em virologia que também pode ter um conhecimento acima da média sobre nutrição. Com categorias previamente listadas, este indivíduo provavelmente se registraria como biólogo e pararia por aí. “Se você não tem campos abertos em que as pessoas podem escrever, escrever e escrever, você não capta nenhuma dessas nuances”, disse ela.
A maior parte das pessoas adiciona duas ou três frases descrevendo suas habilidades.
“Você pode dizer se as pessoas estão interessadas ou não em colaborar apenas pela qualidade da resposta”, afirmou Lara. “Uma resposta com duas palavras não é um bom sinal, mas quando as pessoas explicam mais, você sabe que elas estão realmente interessadas em se engajar com a gente.”
Como gerente de comunidade, uma parte central do trabalho de Lara é ajudar os jornalistas a encontrar as pessoas certas no banco de superpoderes. Assim que Lara identifica um maldito, ela envia os dados para o jornalista trabalhando na apuração, que entrará em contato pelo modo de preferência indicado na hora da inscrição.
A Maldita apenas confia em um contribuinte superpoderoso como fonte independente se já tiverem trabalhado com ele em diversas outras oportunidades. Caso contrário, buscam uma segunda confirmação de tudo aquilo que um maldito diz. Mesmo com esse obstáculo, trabalhar com os malditos pode agilizar significativamente o processo de apuração, reduzindo o tempo gasto por um jornalista para chegar ao cerne do que precisa ser desmistificado.
Cada maldito no banco de dados tem uma classificação de credibilidade — e um dos fatores que influencia a nota é com qual frequência ele colabora positivamente com os repórteres. Aqueles mais bem classificados podem eventualmente ser considerados como fontes independentes.
Os resultados
Os temas para colaborações com superpoderes variam bastante. A Maldita agora colabora com contribuintes superpoderosos em assuntos que vão de brincadeiras bobas que viralizam na internet até a desinformação sobre o coronavírus, passando pela segurança de pôr uma piscina na varanda de um apartamento.
Um dos exemplos favoritos de Lara foi a colaboração para desmistificar um boato sobre uma nova estratégia para sequestrar carros em Madri. Por anos, circulavam na internet boatos sobre criminosos lançando ovos em para-brisas porque suas claras não sairiam com a água, embaçando a visão do motorista e facilitando o sequestro.
O banco de dados tinha um especialista em ovos, então Lara o contactou para tentar desmentir o boato. A Maldita saiu, jogou ovos contra seu próprio para-brisa e, em seguida, adicionou água, provando que o resíduo saía com facilidade.
A comunidade superpoderosa que se desenvolveu ao redor do “Maldita Ciencia”, seu braço focado na ciência, é particularmente forte. Lara estima que eles usem um ou dois de seus integrantes por semana. Em uma semana em 2020, chegaram a recorrer a dez superpoderes. A equipe trabalhou em conjunto com esta comunidade durante sua cobertura da pandemia de Covid-19 para desmistificar mentiras, como que máscaras podem causar hipoxia, que a vacina contra a gripe pode causar a Covid-19 e que uma vacina foi aprovada apesar de ter efeitos adversos sérios.
Ao longo do tempo, o sistema que elenca a credibilidade foi refinado para refletir não só a credibilidade de uma pessoa, mas sua acessibilidade como fonte. Fatores como frases curtas no formulário inicial, respostas lentas, demoradas ou vagas contribuem para notas baixas. Quem tem índices baixos de credibilidade pode ser filtrado dos resultados, mesmo que suas áreas de domínio se encaixem. As notas sobem quando alguém colabora positivamente com um artigo.
Enquanto a força da comunidade “superpoderosa” crescia, a Maldita criava oportunidades de participação cada vez mais sob medida.
A comunidade de superpoderes inclui um número significativo de educadores, particularmente nos níveis universitário e secundário (Ensino Médio), que têm muito interesse no aspecto educacional da desinformação. A Maldita também lançou uma newsletter especificamente para professores de qualquer área, direcionada para ensinar alunos a identificar e combater a desinformação. Eles a enviam uma vez por mês, incluindo uma combinação de conselhos e materiais curriculares.
O que eles aprenderam
As pessoas precisam de ajuda para entender seus superpoderes. Ensinar as pessoas a compreenderem que não precisam ter conhecimentos incrivelmente detalhados para que tenham “superpoderes” exige uma linguagem clara, exemplos frequentes e um ciclo constante de feedbacks.
“O conceito de superpoderes é muito poderoso, mas para algumas pessoas é difícil de compreender”, disse Lara. Eles acham que é algo “muito extraordinário, como ser um especialista químico em proteínas (…). Às vezes tudo o que nós precisamos é de um bom advogado ou de alguém que saiba sobre saúde mental”, disse ela.
Em um certo ponto, eles precisaram de um faz-tudo para consertar uma porta quebrada — e encontraram um maldito para ajudá-los.
Conclusões principais e alertas
Seja claro sobre o que significa ser um membro da sua organização. Na Maldita, um membro é quem recebe a newsletter gratuita. “Embaixadores” são os integrantes que também dão ajuda financeira, enquanto os contribuintes superpoderosos são aqueles que também ajudam a desmistificar a desinformação compartilhando suas expertises. Se há mais de um caminho para a adesão, como na Maldita, a especificidade da linguagem se torna ainda mais importante para garantir que todos os membros se sintam valorizados — particularmente para garantir que quem não contribui financeiramente não se sinta menos pertencente.
Trolls existem. O banco de superpoderes apenas funciona porque a Maldita é cuidadosa ao avaliar a credibilidade de cada pessoa que se registra e ao sinalizar quem não tem credibilidade.
Outros recursos
- Centro Europeu de Jornalismo: European Journalism Center: Why Maldita surveyed their users to find out their superpower